quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Fundamentos da Capoeira

A Capoeira é considerada como uma prática cultural que se organiza em forma de sistema, constituindo-se pelos seguintes elementos: a roda, os toques musicais de berimbau, as músicas, a ginga e os movimentos corporais das dois estilos (Capoeira Regional e Angola). Há, portanto, uma interdependência, em que os participantes da roda deverão se revesar nestas diferentes funções no decorrer do jogo, ou seja: o capoeirista deverá saber desempenhar todas as formas necessárias para ocorrer o evento: tocará tanto o berimbau quanto o atabaque, o pandeiro, o agogô e o caxixi e ainda revezará com outros participantes jogando e também cantando.

O jogo de capoeira acontece no interior de um círculo de uns 2,5 metros de raio. Esse círculo é reconhecido pelos capoeiristas como roda. Dentro do círculo irão “jogar” dois participantes, enquanto que em torno do círculo, sentados ou de pé, ficam os demais capoeiristas.

O mestre de capoeira responsável pelo espaço onde se realiza a roda é a autoridade máxima do recinto, e inicialmente entram na roda apenas eles e os formados. O ritual da roda consiste no conjunto das regras que ordenam o comportamento dos jogadores dentro da roda e regem a disputa em si.

Dois capoeiristas a cocoram-se à frente da orquestra musical. Um deles “puxa” então uma ladainha, cuja letra, geralmente, contém um desafio ao seu parceiro de jogo. Este então, responderá à provocação entoando outra ladainha, ao final se preparam para o combate: benzem-se levando a mão ao chão (e ás vezes tocando também o berimbau) e completam com um sinal da cruz ou levam a mão rapidamente á testa e á nuca, como é usual do candomblé. É um ritual para pedir a proteção no jogo e depende da religiosidade de cada um. Em seguida, dão-se as mãos e fitam-se mutuamente, aguardando que o tocador do berimbau-berra-boi (em geral a pessoa de maior graduação ali presente) o incline, ligeiramente, sobre suas cabeças. O berimbau além de ser o principal instrumento da orquestra musical da capoeira atual, é representado também como a maior autoridade da roda de capoeira, uma vez que a ordem para a entrada na mesma (e muitas vezes, para a saída) é por ele emitida. Esse gesto de inclinação do berimbau é visto como uma “autorização” ou uma “bênção” para seu ingresso na roda.

Os capoeiristas entram na roda através de uma região conhecida como boca-da-roda à frente do conjunto musical. Detém-se na boca-da-roda e executam, um de frente para o outro e simultaneamente, um aú (estrelinha) em direção ao centro.Inicia-se então o jogo, que deve restringir-se ao espaço da roda. Se forem dois mestres de capoeira, ninguém a não ser outro mestre poderá interrompê-los. Quando um dos capoeiristas deseja finalizar o jogo, estende a mão a seu adversário (o qual deve manter-se atento pois esse gesto pode ser uma cilada para a aplicação de algum ataque surpresa) e, juntos, benzem-se na boca-da-roda, saindo pelo mesmo lugar em que entraram.

Para entrar na roda deve-se “comprar” o jogo. Um capoeirista acocora-se na boca-da-roda e, quando julga oportuno, interrompe a disputa que está em curso, colocando-se à frente daquele com quem deseja jogar.

Geralmente o ritual da roda encerra-se com cantigas de despedida.

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Há, portanto, uma interessante analogia que os capoeiristas estabelecem entre a roda de capoeira e o mundo, pois, como percebemos facilmente nos versos das “ladainhas”, entrar na roda é “dar a volta ao mundo” ou “ir pelo mundo afora”. Mas o mundo da capoeira é um mundo diferente, particular e sagrado, (remete muitas vezes aos rituais do candomblé, como por exemplo a freqüência das mãos no chão, da inversão; o que, na cultura africana, é um gesto sagrado, já que o solo para eles é como o céu para a cultura ocidental), ninguém entra ou tampouco sai sem antes se benzer. Na verdade, há uma ambigüidade profano-sagrada que contamina todos os elementos do sistema cultural da capoeira, e podemos perceber isso por exemplo no berimbau, um instrumento musical e ao mesmo tempo uma autoridade espiritual. Assim como na nomenclatura dos movimentos corporais, que mesclam nomes sagrados e profanos (bênção, cruz, vingativa, desprezo, etc.).

Há uma importante significação nessa analogia entre a roda de capoeira e o mundo pelo fato de estes movimentos, gestos, músicas e todo o sistema, poderem ser tidos como testemunhos históricos, pois na capoeira temos como antecedentes históricos o escravismo, e essa resistência sócio-cultural no Brasil se deu de uma forma não-verbal. Assim, o principal suporte de memória dessa cultura está em um “saber corporal”, ou seja, pode ser interpretado através dos movimentos e rituais da roda de capoeira.

Através da oposição ataque/esquiva, nasce a dialética dos movimentos corporais da capoeira que reside a mandinga, em que uma esquiva pode conter um ataque, enquanto que um ataque pode rapidamente transformar-se em esquiva. É nessa mandinga, ou “malícia” que está o segredo do capoeirista, pois é através dela que o jogador irá interpretar as intenções do outro e adiantar-se, colocando o adversário em desvantagem.

Ainda hoje, no jogo de capoeira, o que importa é saber conservar-se em equilíbrio, não perder o apoio e, se acaso acontecer de cair, “cair bem”, isto é, pronto para se levantar o mais rápido possível.Para o capoeirista, ter malícia significa ser flexível e oportunista, onde vê-se o jogo de capoeira como um ritual de busca de poder, impregnado da memória da escravidão.
A roda de capoeira constitui-se, portanto, no agrupamento de todas as características que formam o ritual da capoeira, e é através dela que irá transparecer aos observadores a sua peculiaridade e riqueza cultural e social.

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Durante o tempo que o aluno convive com o mestre que ele entra em contato com o infinito mundo da capoeira. Por isso, não existe capoeira sem mestre. Cada mestre tem seu jeito particular de ensinar, de passar para o seu aluno tudo o que ele achar que o aluno deve aprender para ser um bom capoeirista. Na maioria das vezes, fundamento quer dizer conselhos de mestre e estes conselhos ajudam aos “menos avisados” a evitarem os vacilos na roda ou durante o jogo. Alguns destes conselhos vêm em forma de dicas para o aluno e são fundamentais para o “bom comportamento” na roda, pois muitos mestres antigos exigem o respeito às tradições e, como não encontram, deixam de jogar e assim deixam de ensinar muita coisa boa para os mais novos. Na Capoeira Angola, por exemplo, vemos que não se pode jogar sem sapato nem sem camisa.

Na roda de capoeira, se você quer ser bem recebido, você tem que em primeiro lugar se apresentar ao mestre dono da roda, depois observar o jogo, tocar um instrumento e só então pedir licença e sair para o jogo. A roda começa e termina ao pé do berimbau, não ficar disperso na roda é o motivo principal pelo qual ela é formada, a roda é o símbolo da concentração. Não”acumular” nem fazer confusão ao pé do berimbau, só abaixar para a saída pro jogo depois que os dois adversários saírem da roda. Não bater palmas e nem jogar durante a ladainha, pois ela pode ser um desafio e todos os jogadores têm de estar atentos. Um mestre diz que não se bate palmas no jogo de Angola. Outro diz que sim, que as palmas em duas batidas ritmadas e bem compassadas fazem parte do jogo de Angola. No jogo de Regional as palmas também podem se diferenciar. De qualquer forma, considere todas hipóteses corretas. Não se deve tampar a frente dos tocadores de berimbau, pois é o berimbau que coordena o jogo, pede para parar ou começar ou ainda para mudar a cadência do jogo. Não pode haver troca de instrumento entre os jogadores e tocadores durante o jogo, para que o tocador também possa jogar, ele tem de esperar uma “folga” no jogo para poder passar o instrumento para outro tocador.

É obrigatório a um bom capoeirista saber tocar todos os instrumentos e cantar pelo menos dez músicas diferentes. Quando dois mestres estão jogando não se compra o jogo deles. Eles decidem quando querem passar o jogo para outro mestre.

Cada um é cada um, ninguém luta com o jeito do outro, mas na luta de cada um há toda a sabedoria que aprendeu. No jogo da capoeira, o principal movimento é a ginga, da qual partem todos os outros movimentos. Ainda existe uma infinidade de pontos fundamentais a ser dita, mas está em aberto, pois nunca chegaria a um final sendo que existem muitos, inúmeros mestres no Brasil inteiro e dizer os fundamentos que cada um deles segue, seria impossível. Destaco abaixo alguns”Mandamentos da Capoeira” e os “Pontos Essenciais do Aprendizado”, muito usados por Mestre Bimba e por todos os que seguem seu estilo de ensino.


Mandamentos da Capoeira
Respeitar o mestre e guardar disciplina durante os treinos;
Manter vigilância permanente em todo o ambiente;
Não perder de vista os movimentos do parceiro;
Manter a calma em todas as situações;
Cuidar da segurança dos companheiros de treino;
Zelar pela higiene do ambiente de treino;
Não usar os conhecimentos adquiridos em brincadeiras ou agressões de rua;
Obedecer ao comando do berimbau durante a prática da capoeira;
Obedecer às instruções do mestre durante os treinos;
Praticar diariamente todos os movimentos já aprendidos;
Não se afastar nem de virar de costas para o parceiro.

Pontos Essenciais no Aprendizado
Humildade;
Disciplina;
Educação esportiva;
Respeito à hierarquia;
Atenção ao companheiro;
Gingado perfeito;
Obediência ao comando do berimbau;
A esquiva deve ser o começo do contra-golpe;
Não oferecer resistência direta;
Sempre acompanhar a direção do ataque durante a esquiva;
Nunca fugir para trás;
Atacar de encontro ao deslocamento do adversário;
Saltar antes de ser derrubado;
Defesa de rasteira é aú;
Jamais expor o flanco, a cabeça, o pescoço ou as costas;
Manter o adversário no campo visual periférico;
Sempre esquivar girando para o mesmo lado do movimento de ataque;

Se levarmos em conta que cada um destes mandamentos ou destes pontos essenciais quer dizer, teremos na verdade mais uma bela seqüência de ótimos fundamentos para qualquer um aprender e adquirir para ensinar.

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A Mandinga ou Malícia “Nêgo véio mandinguêro dá um risu a todumundu mais é brabo i veiaco cum mulequi i vagabundu“. Nesta parábola, vê-se muito bem onde se esconde a mandinga de um velho capoeira. É de sorriso em sorriso que ele arma seu jogo e faz hora com o adversário dentro da roda. Não é só no jogo de Angola que existe mandinga, na Regional também existe e muita. A mandinga ou malícia é o jeito que cada um cria de jogar a capoeira e de lidar com seu adversário dentro da roda. Uma finta de movimento, um faz que vai e não vai, um floreio de mão, uma meia-queda para um lado ou para o outro, tanto faz o tipo de “segredo” que o jogador vai usar, são todos movimentos imprevisíveis, feito um gato andando em cima de telhas, nunca se sabe para onde ele vai pular. A mandinga é o “trunfo”, “a carta na manga” que o capoeirista usa para testar seu adversário e para ver até onde ir com o jogo, se aperta ou deixa correr folgado. Também faz parte da mandinga a reza que o capoeira faz antes de iniciar o jogo, é o momento de concentração que ele tem para planejar seu jogo, ninguém sabe o que o capoeirista diz quando se abaixa ao pé do berimbau, além de pedir proteção contra os eventuais acidentes ele também dá uma boa mandingada alí, naquele momento que para ele é sagrado e cheio de segredo. Outra coisa que poucos entendem dentro da roda de capoeira são os trejeitos de rosto e de corpo que o jogador faz para o seu adversário, é aí que ele camufla todas as partidas para seus movimentos de ataque e de defesa, ou seja, quando o adversário pensa que ele vai fazer um movimento, ele muda a queda do corpo e de repente faz um outro movimento completamente saindo do ataque de um lado e atacando de outro lado pelas costas. É na camuflagem de movimentos que está toda a”malandragem” do jogo.


capoeira-cecab

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